sábado, 25 de março de 2006

Brasileiros Pocotó por Luciano Pires

BRASILEIRO POCOTÓ


Esta semana, fiz um texto indignado que foi ao ar no programa Nova Manhã da rádio Nova Brasil ( 89,7 fm), e que deu o maior reboliço. Foi espalhado pela internet como uma praga, explodiu minha caixa postal, virou motivo de leitura em várias rádios, foi publicado em vários lugares e se transformou numa discussão sobre a mediocridade que assola a tv brasileira. Recebi mais de 300 e-mails. Uns 10 vieram com críticas. A maioria escandalosa, concordando com minha opinião e agradecendo. No embalo, o SBT respondeu minha crítica ao programa do Gugu. E tive que fazer um novo texto. Remeto ambos para vocês, convidando-os a uma reflexão sobre as pessoas e processos que estão fazendo a cabeça dos brasileiros.Bem vindos ao Brasil Pocotó.

ÉGUINHA POCOTÓ

Vou mandando um beijinhoPra filhinha e pra vovó Mas não posso esquecer Da minha égüinha pocotóPocotó pocotó pocotó pocotó Minha égüinha pocotó?

Esse é o grande sucesso da música popular brasileira, que domingo ocupou horas preciosas do horário nobre do programa do Gugu, batendo recordes de audiência. O autor é um tal de MC Serginho...e o ritmo é uma coisa que os do ramo chamam de funk. Enquanto o Serginho recitava a letra, um sujeito efeminado tinha convulsões, que depois descobri ser a tal dança da égüinha pocotó. O nome do sujeito? Lacraia. Meus amigos, neste domingo consagrou-se o mais novo ídolo da música popular brasileira: o Lacraia.
O jumento e o cavalinho Eles nunca andam sóQuando sai pra passearLevam a égua pocotóPocotó pocotó pocotóMinha égüinha pocotó

Enquanto o índice da audiência subia, a atração era mantida no ar. E ànoite, foi orgulhosamente reprisada por um Gugu exultante com a audiência histórica. Neste domingo, milhões de brasileiros assistiram, espero que envergonhados, ao triunfo da mediocridade. Á afirmação de que existe, sim , um processo para mediocrizar o Brasil.
Eu sou pai. E assisto, consciente de minha impotência diante da máquina da TV, minha filha de 12 anos se divertindo, cantando e dançando o pocotó. Por sorte ela não entende as letras paupérrimas, chulas, apelando para o sexo e tratando as mulheres de éguas e cadelas.
Sabe o que mais dói? É que enquanto essas baixarias ocupam horas do horário nobre, os brasileiros que fazem música de qualidade, estão sendo deixados de lado. Vale o que os homens de marketing das gravadoras acham que vai vender. E dá-lhe a dança da garrafa, a dança da cadela, a dança da égüinha.... Nessas horas, tenho vergonha de ser um profissional de marketing.
Imagino que se aparecessem hoje dois jovens, com seus 23 anos, chamados Caetano Veloso e Gilberto Gil, seriam deixados de lado em favor do tal MCSerginho ou outras mediocridades que vendem. E não teríamos o Tropicalismo. Surgisse um Chico Buarque, com seus 20 e poucos anos, não chegaria nem às rádios alternativas.
Porquê alguém está decidindo, com a bunda, o que o brasileiro vai ouvir. E assistir. O resultado é a mediocrização da música popular brasileira. A popularização do lixo. A lavagem cerebral da garotada. Que música estará sendo feita no Brasil daqui a 30 anos, pelos garotos que estão tendo a cabeça feita pela égüinha pocotó?
Eu me senti ofendido. E o consolo de desligar a televisão, não adiantou. Eu sabia que outros milhões de brasileiros estavam naquele momento, assistindo o jumento, o cavalinho e a égüinha pocotó, sem perceber que a TV os chamava de burros.


POCOTÓ II, O RETORNO


Meu texto sobre a nova sensação da MPB a "Éguinha Pocotó", teve uma repercussão gigantesca. Acho que escrevi o que muita gente pensava... Algumas mensagens que recebi, no entanto, defenderam o pocotó. Uma delas, comparou o autor da música, MC Serginho, a Elvis Presley cujo rebolado chocou os moralistas. Imaginei o alvoroço em Memphis, quando daquele luxuoso túmulo ecoaram gritos afinados:- "It's now or never! It's now or never! "Vários me disseram que eu devia desligar a tv e ir para um parque, em vez de ficar reclamando. Como se o "efeito pocotó" fosse um problema de escolha pessoal. É coletiva. E fingir que a tv não existe, não é uma opção. Parece que resolve seu problema, como se o mundo lá fora não existisse. Outro escreveu me chamando de mau (com u mesmo) amado. A esses, explico melhor. O problema NÃO é a dupla MC Serginho e Lacraia. De certa forma, eles são manifestações culturais legítimas de um determinado grupo de pessoas, de uma região do Brasil.O problema é o Gugu e o Faustão SIM, junto com os João Klebers, Serginhos Mallandros e seus diretores, que aproveitam-se dessas porcarias para conseguir audiência, tratando a maravilhosa máquina que tem nas mãos, como um triturador de lixo.
Pela história de luta, por sua origem e pelo sucesso, sempre admirei o SBT. Posso discordar de alguns métodos, mas jamais negar sua importância cultural para o país. Pois eles responderam a meu texto sobre o pocotó no Gugu, com esta carta elegantemente irônica e educada:

"Luciano
Embora "inflamadas" suas opiniões merecem nossa atenção e "democraticamente" as respeitamos.Por outro lado, permita-nos reafirmar o compromisso perene do SBT em criar, produzir e exibir uma programação de qualidade, a qual objetiva cumprir as funções essenciais da televisão, ou seja, informação e entretenimento. Esta, inclusive, pertinente ao assunto em questão, o qual como você bem disse resultou em excelentes índices de audiência que, apenas, ratificaram a empatia do público para com nossa emissora. Permita-nos, ainda, afirmar que nem sempre "ser popular é apelar" e é perfeitamente factível "exibir sensualidade sem conotações de erotismo ou vulgaridade". Reconhecemos, todavia, que a subjetividade é soberana e, conseqüentemente, "o que seria do amarelo se todos gostassem do vermelho? Assinado, SBT"


Produzir e exibir programação de qualidade, pocotó. Informação e entretenimento, pocotó. Empatia do público para com a emissora, pocotó. Sensualidade sem conotações de erotismo, pocotó. A subjetividade é soberana, pocotó.
Vindo de uma máquina capaz de eleger um presidente da república, de mudar o comportamento de milhões de pessoas, de criar moda, de lançar tendências,de gerar modelos de comportamento, a resposta é, no mínimo, assustadora.
Indica que você tem mais é que se conformar em ser um brasileiro pocotó.



Luciano Pires é um profissional de comunicação, jornalista, escritor,conferencista e cartunista, atualmente Diretor de Comunicação Corporativada Dana.

Confira mais... www.brasileirospocoto.com.br

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